Uma vespinha minúscula, de olhos vermelhos, percorre grandes distâncias, atraída por substâncias químicas presentes em escamas de asas de mariposas que caem sobre os ovos que acabam de ser colocados. Então esses ovos são parasitados pela vespinha, ou Trichogramma, como é cientificamente chamada, impedindo o nascimento de lagartas que, geralmente, atuam como pragas agrícolas de efeito devastador. Esse é o princípio natural que originou um vitorioso programa de controle biológico nascido na década de 1980, na Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (USP/ESALQ).
A vespinha começou a ser discutida em 1926 e ainda na década de 1930 pesquisas começaram a ser conduzidas no Rio de Janeiro no controle de pragas de tomate. Em 1982, o pesquisador francês Jean Voegelé visitou o Departamento de Entomologia e Acarologia (LEA) da ESALQ, para ministrar um curso sobre controle biológico a partir do Trichogramma. Na ocasião, o professor José Roberto Postali Parra se entusiasmou. “Por conta daquela visita eu acabei também visitando a estação experimental em Antibes, na França, para conhecer o trabalho do Voegelé e, na minha volta, começamos a pesquisador o tema”, conta. Dois anos depois, de forma sistemática, o Departamento incorporou a proposta de criar um programa consistente. “Em 1984, projetamos um programa completo, a partir do envolvimento de uma equipe multidisciplinar na área de entomologia. Organizamos um programa a longo prazo, que tinha começo meio e fim, que incluía trabalhos em várias frentes, como a biologia, a taxinomia, a ecologia e o próprio estudo com agroquímicos afetando as vespinhas. A equipe assim desempenhou as tarefas de coleta do inseto, identificação, depois partimos para a criação em larga escala, a distribuição no campo, a necessidade de inseticida, como liberar no campo, até chegarmos em um modelo que resultou em uma relação custo benefício positiva”.
Em 2014, o programa de controle biológico com Trichogramma completou 30 anos e, após anos de estudos, foram obtidos bons resultados de controle de pragas de diversas culturas. “Graças aos avanços bioecológicos obtidos, o agricultor brasileiro que tem uma cultura de agroquímicos, começa a entender, depois de três décadas, porque usar um inimigo natural tão pequeno e tão difícil de ser visualizado”.
A despeito de todos os problemas encontrados para o uso de controle biológico, grandes áreas têm sido tratadas para o controle de Diatraea saccharalis em cana-de-açúcar com T. galloi, em 500 mil ha e mais recentemente para Helicoverpa armigera e Chrysodeixis includens em soja, onde cerca de 250 mil ha foram tratados na safra 2013 – 2014 com Trichogramma pretiosum. “Esses números poderão aumentar se houver disponibilidade do insumo biológico, com potencial de uso em maior escala em algodoeiro, milho, frutíferas, feijoeiro, para os quais o Trichogramma já é utilizado, mas ainda aquém do esperado”, complementa Parra.
Pessoal e publicações - Um volume grande de publicações sobre o assunto (livros, boletins, resumos de congressos, teses, dissertações, publicações em periódicos nacionais e internacionais) possibilitaram grandes avanços na área de controle biológico. Só o professor Parra orientou mais de trinta dissertações e teses sobre o tema. “Formamos recursos humanos, desde estudantes que fizeram iniciação científica até pós-doc, que depois foram aplicar esse modelo em muitos estados brasileiros e na América Latina”.
Futuro – No programa de Pós-graduação em Entomologia da ESALQ, Aloisio Coelho desenvolve sua tese a partir da utilização de marcadores mitocondriais para comprovação do desempenho, em campo, de linhagens de Trichogramma pretiosum Riley selecionadas em laboratório. “A importância da genética para a aplicação do controle biológico vem sendo objeto de muitas teorias. Contudo, enquanto importantes experimentos de laboratório mostram que os princípios gerais da genética de populações de fato aplicam-se a agentes de controle biológico, poucos trabalhos foram realizados em condições de campo”, afirma Coelho.
A pesquisa de Aloisio é uma parceria entre a ESALQ e a Universidade da Califórnia- Riverside, EUA, e propõe determinar a influência da seleção de laboratório sobre o desempenho em campo de diferentes linhagens de T. pretiosum. “Existe uma população natural de Trichogramma no campo, mas insuficiente para atender a demanda agrícola, então temos que adicionar as populações de laboratório e, muitas vezes, como são criadas em hospedeiro alternativo, existe o questionamento sobre o comportamento desse inseto e sua eficiência no campo. Então o Aloiso faz marcações moleculares para depois verificar no campo se aquele inseto que está combatendo as pragas é o mesmo que ele liberou. Estamos certificando que o inseto de laboratório é realmente competitivo em campo”, comenta Parra.
Ainda existem obstáculos, mas o professor do LEA fala com entusiasmo sobre a ampliação do controle biológico nas lavouras brasileiras. “Tem muitos aspectos a serem aperfeiçoados, mas o potencial é enorme. Se bem aplicado, o controle biológico, seja com Trichogramma ou outros vetores, possibilita desempenho equivalente ou superior ao controle químico. Entre outras razões, tem um custo comparável ao químico, além de trazer vantagens ambientais, ecológicas e sociais sem precedentes. As próprias multinacionais enxergam isso, elas estão comprando empresas de controle biológico e entrando no mercado”, finaliza.
Texto: Caio Albuquerque
Data: 06/01/2015