“A iniciativa é interessante, mas devemos nos preocupar com o manejo da espécie e pensar a produção de forma sustentável”, comenta o amazônida e professor da Esalq, Edson José Vidal da Silva em entrevista para a rádio USP
Por Walace de Jesus (clique aqui e ouça a entrevista > https://jornal.usp.br/?p=436520)
Uma agroindústria flutuante foi inaugurada na Amazônia no último mês de maio. A Balsa-Açaí, como ficou conhecida, é uma indústria idealizada para processar frutas em comunidades mais distantes de Manaus, mas especialmente o açaí. O empreendimento é movido a luz solar e percorrerá os rios Amazonas, Solimões, Madeira, Purus, Juruá e Japurá. Com capacidade de armazenamento de 300 toneladas de açaí, o projeto pode transformar 20 toneladas de açaí por dia em 12 toneladas de polpa, além de beneficiar comunidades ribeirinhas com aumento de lucros e otimização do transporte do fruto.
A agroindústria é uma iniciativa do grupo Transportes Bertolini e da Valmont Solutions, que, juntos, investiram mais de vinte milhões de reais para a construção da plataforma flutuante. O primeiro destino da Balsa-Açaí foi Coari, município que fica a 363 quilômetros da capital amazonense. De acordo com o Governo do Amazonas, o quilo do açaí no município está com valor médio de R$2,15 e a compra diária da indústria flutuante é de 400 sacas.
O amazônida e professor do Departamento de Ciências Florestais da Escola Superior de Agricultura Luiz Queiroz, da Universidade de São Paulo, Edson José Vidal da Silva, comenta que a iniciativa representa muitas vantagens para o mercado do açaí, mas que uma preocupação é a capacidade de produção da própria floresta. “A iniciativa é interessante, mas devemos nos preocupar com o manejo da espécie e pensar a produção de forma sustentável”, comenta.
“Quando pensamos em um produto não madeireiro e essa iniciativa, não podemos esquecer a sustentabilidade da floresta em todas essas regiões que a barca irá atuar”, explica. Para Vidal, é importante que a espécie consiga realizar suas taxas vitais para que não seja extinta localmente. “Se o fruto for exaustivamente retirado, impactos serão gerados para a fauna e à própria regeneração da espécie”.
Dentre a análise da nova indústria, o professor ressalta que a retirada da figura do atravessador e o maior aproveitamento do fruto são grandes vantagens para o sucesso da iniciativa. “Também podemos pensar em uma cadeia completa de aproveitamento dessa espécie para a economia dessas cidades”, sugere o professor. Além disso, para as comunidades ribeirinhas que moram distantes de Manaus, o projeto vai gerar otimização no transporte do fruto e maior lucro para os que o comercializam. “Vai reduzir o custo do transporte e também vai retirar a figura do atravessador, que acaba não deixando um recurso melhor para os ribeirinhos”, explica.
A iniciativa só pôde ser concretizada a partir da alteração do Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) na Instrução Normativa n° 72/2018 com a Instrução Normativa n° 04/2021, que possibilitou o registro de estabelecimentos de produção de bebidas moveis a partir de critérios estabelecidos pela pasta da agricultura.
Vidal também revela que, além de relevância econômica, o açaí também tem importância nutricional para a população amazonense, que o consome não como uma simples sobremesa, mas muitas vezes como uma refeição completa. “É um produto importante e, ao longo do tempo, começou a entrar nas cidades com a migração do pessoal rural até se tornar esse fruto conhecido no mundo e aumentar o mercado”, explica. O amazônida também expressou sua preocupação em relação à acessibilidade dessas populações tradicionais ao fruto devido à crescente demanda.